Dunas litorais
A o contrário do que o senso comum poderia levar a pensar, o mar é um consumidor e não um criador de areias. É fácil compreender isso, já que o mar, mesmo se actua com muita energia, fá-lo numa estreita faixa. Os rios, pelo contrário actuam sobre quase toda a superfície terrestre, e levam os produtos da meteorização das imensas superfícies continentais e da erosão que efectuam até ao mar, onde são depois mobilizados e distribuídos pelos litorais. Parte destas areias que os rios e os ventos levam ao mar, são então devolvidos pela acção dos ventos e do mar ao litoral, em forma de dunas.
Maria da Assunção Ferreira Pedrosa de Araújo
Cordão litoral da costa portuguesa para Norte da Praia de Quiaios com dunas móveis e arborizadas, visto pela perspectiva aérea
A movimentação das areias pelo vento, necessária à criação de dunas, depende de diversos factores:
- · disponibilidade em areias finas e secas,
- · ausência de vegetação,
- · ventos eficazes (só os ventos que têm uma velocidade superior a 16km/h conseguem mobilizar as areias).
Como estas condições são frequentes nas regiões litorais, os litorais são locais favoráveis à constituição de dunas.
Entre as praias e as dunas que se situam na sua retaguarda estabelece-se uma relação de complementaridade. Com efeito, durante o verão, a deflação pode exercer-se numa área relativamente extensa de areia seca. Durante o inverno, todavia, uma parte das areias já acumulada sob a forma de dunas pode ser arrastada para o mar indo constituir uma reserva de areias que poderá ser lançada, de novo, na costa, na situação de bom tempo.
Fig. 2 - Arrasto parcial da duna primária pela acção do mar no inverno.
A travagem do vento quando surgem as primeiras irregularidades no terreno é a principal causa que vai levar a um depósito de areias. Este pode fazer-se a favor de tufos de vegetação halófita que vão colonizando a antepraia. Para isso é necessário que esta fique fora da acção das ondas durante algum tempo, o que implica, pelo menos, uma situação de equilíbrio na praia. Uma descida do nível do mar, ou processos de acumulação muito intensos, originando uma progradação do litoral e o abandono de antigos cordões litorais podem favorecer, como é evidente, a acumulação de campos dunares mais ou menos extensos.
As dunas embrionárias originadas pela acumulação de areias nos tufos de vegetação da antepraia são designada por nebkas . A coalescência de diversas nebkas origina uma duna frontal, também chamada duna primária ou duna branca ,
Fig. 3a - Duna primária ("White Dune") com Ammophila arenaria nas crestas da duna.
grosseiramente paralela à linha de costa e com um perfil mais ou menos simétrico. A circulação do ar a sotavento da duna frontal cria turbilhões que acabam por originar a formação de depressões interdúnicas, também chamadas duna cinzentas (devido à cor acinzentada que o detrito orgânico e vegetação rasteira, sobretudo a granza das praias ( Crucianella maritima ), dá às areias).
Fig. 3b - Dunas cinzentas com Crucianella maritima na Praia de Quiaios.
Fig. 4a - Crucianella maritima , a granza das praias, nas dunas cinzentas
Fig. 4b - Crucianella maritima - as folhas formam quatro verticilos em forma de cruz.
Fig. 4c - Crucianella maritima - com flores.
Em situações em que a vegetação é escassa ou inexistente ou em que o fornecimento de areias é muito abundante, podem formar-se dunas livres, ou barkhans . Estas dunas, em forma de crescente com a convexidade face ao vento, apresentam um perfil dissimétrico em que a face exposta ao vento tem um declive entre 5° e 10° e a face a sotavento tem um declive elevado, da ordem dos 30-33°.
Mais para o lado do interior do litoral seguem-se às dunas cinzentas frequentemente as dunas descalcificadas e dunas arborizadas.
As dunas fixas descalcificadas atlánticas caracterizam-se pelo seguinte:
• são dunas fixas com tojais, tojais-urzais e tojais-estevais psamófilos (= com preferência para solos arenosos) litorais ou sublitorais.
• Dominância de arbustos espinhosos do género Ulex (fam. Leguminosae) ( U. australis subsp. welwitschianus ou U. europaeus subsp. latebracteatus ).
Fig. 5 - Tojo (Ulex lactebracteatus)
• Solos de textura arenosa profundos, oligotróficos e com baixa capacidade de retenção de água.
• Vegetação é interpretada como comunidades subseriais de bosques de Querci ou Pinus.
• Genericamente, é favorecida pela perturbação pelo fogo.
Fig. 6 - O Pinheiro marítimo (Pinus pinaster) em dunas terciárias de Praia de Quiaios
As dunas arborizadas atlánticas têm as seguintes características:
• Dunas costeiras – terciárias ou paleodunas – com bosques psamófilos mistos de carvalhos e sobreiros ( Rusco aculeati-Quercetum roboris subas. quercetosum suberis ) (vd. Caracterização, habitat 9230 “Carvalhais galaico-portugueses de Quercus robur e Quercus pyrenaica ”.
• Dunas costeiras – terciárias ou paleodunas – com formações arbóreas dominadas pelo pinheiro-bravo ( Pinus pinaster subsp. atlantica ) adultos, plantados ou de regeneração natural, com sub-bosque dominado por vegetação arbustiva espontânea, evoluída e sem uma história de perturbação recente, constituída por tojais altos (de Ulex europaeus subsp. latebracteatus ), camarinhais (de Corema album ), giestais (com Cytisus grandiflorus , Erica scoparia ), matagais mistos (com Arbutus unedo )
Fig. 7 - O medronheiro ( Arbutus unedo )
e/ou árvores dispersas de carvalho-alvarinho ( Quercus robur ) e sobreiro ( Q. suber ).
Fig. 8 a,b - Pinheiros marítimos ( Pinus pinaster ) em (?paleo)dunas arborizadas de Praia de Quiaios
• As formações arbustivas naturais e as árvores autóctones dispersas que hoje constituem o sub-bosque destes pinhais testemunham, na maioria das situações (paleodunas), a existência prévia de uma faciação particular da subsérie de vegetação típica dos territórios minienses meridionais (Rusco aculeati-Querco roboris sigmetum querco suberis sigmetosum).
Fig. 9 - Gilbardeira ( Ruscus aculeatus )
• Ambos os tipos de formações boscosas ocorrem, maioritariamente, nos andares termomediterrânico ou termotemperado sub-húmido a húmido, em dunas holocénicas com solos de textura arenosa mais ou menos podzolizados.
Portugal teve grandes problemas com dunas móveis antes da fixação e arborização das dunas, que começou no no século 18 e foi concluido no início do século XX.
Fig. 10 a,b - Areias móveis em Portugal antes da fixação das dunas.
Desenvolvimento sequencial de dunas litorais
Muitas vezes, atrás da duna frontal existem outras cristas dunares, formadas em períodos anteriores.
Num litoral em que haja uma certa progradação podem existir várias cristas dunares mais ou menos paralelas, correspondendo a sucessivas dunas frontais progressivamente mais antigas à medida que nos afastamos do mar.
À medida que uma crista de dunas perde a sua ligação à praia, ela deixa de receber areias e cria-se uma tendência à erosão. Esta pode ser materializada pelos “ blow outs ”, depressões de forma semi-circular existentes na face da duna. Estes blow outs têm tendência a acentuar-se e a migrar para o interior. Essa migração acaba por deixar na sua frente braços afilados que têm uma direcção aproximadamente paralela à dos ventos dominantes e que se podem designar como dunas longitudinais ( veja Fig. 1 ). Na sua retaguarda encontram-se dunas de forma parabólica. Estas dunas têm um desenvolvimento contrário ao das dunas do tipo barkhan . Com efeito, embora a forma seja também em crescente, no caso das dunas parabólicas a concavidade situa-se do lado onde sopra o vento, ao contrário do que se passava com as barkhans .
Dunas actuais e dunas fósseis
Muitas vezes coexistem, no mesmo espaço, diversos sistemas de dunas. Elas reconhecem-se quer através da orientação das suas cristas, que podem representar ventos dominantes contrastantes com os actuais, quer, sobretudo, através do tipo de pedogénese que sofreram.
A sobreposição de diversos conjuntos dunares ocorre noutros locais. Embora as propostas existentes para as idades das dunas das Landes e das dunas da região de Cortegaça sejam diversas, o conjunto tem analogias notórias, nomeadamente pelo facto de existir um sistema de dunas antigas com uma crosta aliótica em ambos os casos. Essas analogias não passaram despercebidas a R. Paskoff que escreveu um artigo justamente sobre as semelhanças entre as dunas das Landes e as dunas da região da Gândara (que, por sua vez, têm analogias evidentes com as dunas de Cortegaça.
Se as dunas consolidadas do Norte do país se apresentam geralmente com um fácies semelhante ao descrito para as dunas de Cortegaça, na região de Lisboa (Magoito, Oitavos), a sua consolidação fica a dever-se ao carbonato de cálcio. O mesmo acontece na região de Porto Côvo e Vila Nova de Milfontes, onde o grés calcário que constitui a duna consolidada sofreu um processo de carsificação, mantendo, no conjunto a forma típica de uma duna.
A importância da vegetação na formação das dunas litorais
A s dunas litorais constituem uma zona de interacção entre o continente e o oceano. O desenvolvimento de actividades, a intensificação de usos recreativos e a ocupação incauta deste espaço do território, têm conduzido a situações de desequilíbrio e erosão costeira e consequentemente à destruição dos ecossistemas dunares litorais.
Fig. 11 - Duna embrionária (pré-duna) na Praia de Quiaios
Estes ecossistemas estão sujeitos a processos de erosão - transporte - sedimentação, intrínsecos à sua natureza e dinâmica costeira, que se desenrolam lentamente, mas que são acelerados de forma catastrófica pela acção humana.
Formação das Dunas
Em termos básicos as dunas litorais podem ter origem em processos diferentes, embora existam etapas comuns a todos eles:
Transporte pelo vento da areia seca da praia, na maré baixa e sua deposição mais adiante, para o interior.
A areia depositada começa a formar um pequeno montículo, onde aparece a primeira vegetação - espécies pioneiras - que vão consolidando as areias depositadas.
É depositada mais areia, pela acção do vento e a diversidade de espécies vegetais vai aumentando progressivamente.
É esta deposição permanente de areia e progressiva fixação de vegetação, que determina a formação das dunas, sua manutenção e consolidação, conferindo-lhe estabilidade, apesar do dinamismo de todo este processo, permanente e contínuo, razão pela qual, desempenha um papel preponderante na protecção do litoral.
Em todo este dinamismo que caracteriza os ecossistemas, é fundamental o papel da vegetação na formação das dunas, sendo o mar o elemento selectivo da sua colonização, dado que apenas algumas plantas conseguem sobreviver, pelos mecanismos de defesa e adaptabilidade que possuem. São plantas que têm de resistir ao vento, à salinidade, às grandes amplitudes térmicas, que ocorrem durante o ano, à grande luminosidade, à falta de água doce no solo e soterramento constante.
Assim, o lado virado para o mar é de grande pobreza florística, destacando-se o estorno ( Ammophila arenaria ), planta com grande resistência ao vento e salinidade e, sobretudo ao soterramento, devido à sua grande capacidade de regeneração.
Fig. 12a - Estorno ( Ammophila arenaria )
Fig. 12b - Ammophila arenaria - corte transversal da folha
Salientam-se, ainda, as armérias ( Armeria sp. )
Fig. 13 - Armérias ( Armeria sp. ) nas falésias do Cabo Mondego
em forma de tufo, com rigidez suficiente para suportar a acção dos ventos, os cordeirinhos-da-praia ( Otanthus maritimus )
Fig. 14 - Cordeirinhos-da-praia ( Otanthus maritimus )
e os cardos marítimos ( Eryngium maritimum ),
Fig. 15 - Cardos marítimos (Eryngium maritimum) nas pré-dunas na praia da Murtinheira.
cujas raízes formam uma rede densa que consolida as areias.
O lado virado para o interior e zona inter-dunar, também chamado " Dunas cinzentas ", mais abrigados da acção do vento e sem contacto directo com o mar, apresenta maior diversidade florística, encontrando-se alguns arbustos como a camarinha ( Corema album ),
Fig. 16 - Camarinhas ( Corema album ) nas dunas cinzentas de Praia de Quiaios.
algumas estevas e até mesmo algumas árvores, na zona interdunar, como o pinheiro bravo ( Pinus pinaster )
Fig. 17 - Pinheiro bravo ( Pinus pinaster ) nas dunas cinzentas de Praia de Quiaios.
e o pinheiro manso
Fig. 18 Pinheiro manso ( Pinus pinea ) nas dunas cinzentas de Praia de Quiaios.
Associado a esta vegetação, já se encontram algumas espécies animais, essencialmente insectos, pequenos répteis e algumas aves limícolas que nidificam nas dunas.
Para além de serem os "pulmões" do litoral, as dunas constituem uma das riquezas ecológicas e paisagísticas da região onde se inserem.
Um exemplo desta riqueza é a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, detentora de um sistema dunar litoral com cerca de 90 ha, num estado de equilíbrio dinâmico praticamente único no País.
No sentido de preservar a riqueza ecológica deste espaço, a RNDSJ tem vindo a desenvolver trabalhos de renaturalização da duna primária e zona inter-dunar, onde, com bastante sucesso, se tem vindo a proceder ao corte de infestantes como a acácia
Fig. 19 - Acacia sp. nas dunas cinzentas da Praia de Quiaios.
e o chorão
Fig. 20a - Chorão ( Carpobrotus edulis )
Fig. 20b - Chorão ( Carpobrotus edulis )
e posterior plantação com espécies vegetais características deste ecossistema.
Porém, as acácias (que são como o eucalipto de origem da Austrália) invadem não apenas as dunas móveis e zonas interdunares, mas também as dunas terciárias, pinhais, paleodunas e as encostas da Serra da Boaviagem. Esta invasão, que também se observa em outros sítios do país, como por exemplo da Serra da Lousã ou do Parque Nacional da Serro do Gerês, está longe de ser combatida ou dominada e tem por consequência a destruição parcial ou até total das floras autóctones deste e de outros países mediterrânicas.
Aqui verifica-se mais uma vez o tremendo perigo que constitui a incontrolada introdução de espécies exóticas.
Fig. 21a - Jovens Acácias num pinhal de Pinus pinaster em paleodunas de Praia de Quiaios
Fig. 21b - Acácias num pinhal de Pinus pinaster em paleodunas de Praia de Quiaios
Veja também:
As dunas móveis do litoral e sua vegetação
e
Links:
http://www.panoramio.com/user/199980
http://www.panoramio.com/user/1601996
Reserva Natural Dunas S. Jacinto
http://camarinha.aveiro-digital.net/habitats002.htm
Maria da Assunção Ferreira Pedrosa de Araújo: Geomorfologia Litoral
http://web.letras.up.pt/asaraujo/seminario/Aula7.htm
Fixação e Arborização das Dunas do Litoral http://www.drapc.min-agricultura.pt/base/documentos/fixacao_dunas.htm
http://www1.ci.uc.pt/invasoras/
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