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Mapa da Serra da Boa Viagem com Trilhos (Triângulo do Cabo Mondego)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Litorais móveis: praias e dunas litorais

Litorais móveis: praias e dunas litorais

Introdução: costas rochosas versus  litorais móveis

Ao contrário do que o senso comum poderia levar a pensar, o mar é um consumidor e não um criador de areias. É fácil compreender isso, já que o mar, mesmo se actua com muita energia, fá-lo numa estreita faixa. Os rios, pelo contrário actuam sobre quase toda a superfície terrestre, e levam os produtos da meteorização das imensas superfícies continentais e da erosão que efectuam até ao mar, onde são depois mobilizados e distribuídos pelos litorais. Uma análise mais aprofundada sobre a origem dos sedimentos litorais é visível na figura 114.

Na aula anterior quando falávamos das plataformas de erosão marinha dissemos que, se a cobertura sedimentar for suficientemente espessa para impedir que as ondas ataquem a plataforma de erosão, já teremos uma praia e não uma costa rochosa.

Com efeito, o recuo de uma arriba fará com que, a pouco e pouco, as ondas deixem de atacar a parte interior da plataforma de erosão marinha. Nesse caso, desde que haja sedimentos disponíveis, esta será coberta de materiais, de tal forma que praticamente deixa de funcionar e a arriba será transformada em arriba estabilizada. A continuação do processo, com manutenção ou ligeira descida do nível do mar transformará a arriba numa arriba morta (fig. 115).

Por outro lado, a erosão das areias das praias, muitas vezes faz aparecer as plataformas que lhes servem de suporte.

Uma boa parte das praias do norte de Portugal, entre Caminha e Espinho, está ou pode vir a sofrer esse fenómeno.

Uma breve análise das cartas geológicas de escala 1:50.000 permitiu-nos avaliar a extensão das áreas onde, segundo a referida cartografia , o bed-rock  entra em contacto directo com o mar. Verifica-se que corresponde a 23% do perímetro total estudado (figura nº 116).

Os sectores arenosos correspondem a mais de metade da área em apreço.

Foi necessário introduzir uma categoria que abrangesse as áreas onde areias de praia e afloramentos do bed-rock  coexistem. Este aflora pontualmente, constituindo arribas baixas (praias de Lavadores, da Foz do Douro, de Labruge), ou "rochedos" que emergem das areias da praia e se elevam acima do nível médio das águas do mar. Essas áreas têm uma representatividade (25% do total) semelhante à do litoral rochoso.

Existe uma relação genética evidente entre esses três tipos de litoral.

Como as praias arenosas estão assen­tes sobre afloramentos rochosos, a erosão das areias pode fazer aflorar as formações graníticas ou me­tamórficas do Maciço Hespérico. Desse modo, o troço em questão passa a entrar na categoria de "praia com rochedos". Este processo pode ser ocasional ou estacional, sucedendo durante as tempestades de inverno.

Noutros locais, quando os afloramentos rochosos se desenvolvem a cota mais elevada, constituem pontões rochosos circundados por pequenas arribas mergulhantes. Estes troços rochosos, geralmente pouco elevados (as arribas não ultrapassam os 20 metros) e de pe­quena dimensão, raramente são contínuos. Geralmente, nas suas reentrâncias, instalam-se praias arenosas mais ou menos extensas (praias de bolso).

Neste capítulo estudaremos os litorais móveis. Isto significa que, além das praias arenosas trataremos também, na medida do possível, as praias constituídas por elementos grosseiros (calhaus, blocos). Uma vez que as praias e as dunas constituem um sistema em que há uma constante troca de sedimentos faz sentido estudá-las no mesmo capítulo.

Perfil de praia. Terminologia básica

Trata-se de um tema algo difícil. Com efeito, a existência de terminologia em inglês e em francês, bem como variações importantes dentro destas duas línguas, faz com que exista uma certa confusão que não convém que seja transmitida aos estudantes.

Um dos esquemas mais simples é o que reproduzimos na fig. 117, da autoria de R. Paskoff.

O modelo de Guilcher (fig. 118) é um pouco mais complexo, juntando ao esquema de base alguns elementos adicionais que podem ajudar os estudantes a situar algumas das estruturas típicas de cada um dos sectores.

O esquema de Moreira (1984, fig. 119) tem a vantagem de nos apresentar designações em português com os equivalentes em francês e inglês que são sempre úteis, dado que muita da bibliografia disponível se encontra em inglês.

As praias têm nomes específicos em certos tipos de ocorrência. Serão, por isso, definidas as noções de praia de bolso, tombolo (fig. 121), flecha litoral ou restinga, praia em ponta e ilha barreira (fig. 120).

Rebentação e construção dos cordões litorais

Quando as vagas quebram, a onda que estava num processo de translação, uma vez que as baixas profundidades atrasavam a sua progressão pela base, vai formar o jacto de rebentação que sobe pela face da praia. Nessa subida ele vai arrastar sedimentos que deposita quando a sua força se esgota. Segue-se o refluxo, em que a água transportada pela onda desce pala face da praia. Como é evidente, a capacidade de transporte do refluxo depende da quantidade de água que desce a face da praia. Por isso, a porosidade dos materiais da praia é muito importante. Se a porosidade for baixa, uma boa parte dos materiais transportados pelo jacto de rebentação vai ser arrastada até à linha de inflexão, de onde podem ser mobilizados na próxima onda. Mas se a praia for constituída por materiais grosseiros, a maior parte da água infiltra-se e o refluxo tem muito pouca capacidade. As acções construtivas predominam e o declive da praia torna-se maior.

É isso mesmo que se pode verificar na figura 123.

Do mesmo modo, o jogo entre o jacto de rebentação e a ressaca ajuda a explicar a formação das cúspides de praia (fig. 124) Estas são formas rítmicas que podemos encontrar em muitas praias, onde também é possível identificar bermas devidas à existência de marés vivas e de ondas de tempestade, que constróem cordões litorais a cotas mais elevadas (fig. 125).

Regra de Brunn. Perfil de verão e de inverno.

Na figura 126 é possível analisar as consequências de uma variação do nível do mar no perfil de uma praia. Segundo a regra de Brunn, a profundidade a que cobertura de sedimentos se situa mantém-se constante. Logo, uma subida do nível do mar vai implicar uma sedimentação sobre o fundo até se atingir a mesma profundidade. Ao mesmo tempo, existe uma migração da linha de costa para o interior. Uma subida do nível do mar implica por isso uma erosão na face da praia e acumulação destes sedimentos na área imersa.

Este fenómeno pode funcionar a diferentes escalas temporais. Assim, durante o inverno, devido à existência de ondas de tempestade e a possível sobre-elevação de origem meteorológica (storm surge) tudo se passa como se houvesse uma subida do nível do mar. O perfil torna-se mais tenso junto à antepraia (no sentido que lhe é atribuído por S. Carvalho, ver fig. 119), podendo escavar-se uma arriba nas dunas. A praia emersa vê o seu perfil rebaixado por erosão e os sedimentos resultantes desse processo são depositados nas áreas imersas (fig. 127).

A regra de Brunn permite, de uma forma empírica, ter uma ideia do recuo da linha de costa correspondente a uma determinada subida do nível do mar. Esse recuo na horizontal está estimado num valor maior em cerca de 100 vezes do que a subida do nível do mar. Significa isso que a subida calculada para as diversas estações maregráficas com séries longas (aula 5, cerca de 1,9mm/ano) acabaria por produzir, só por si, um recuo anual da linha de costa de 1,9cm.

São justamente estas subidas e descidas temporárias que produzem situações de embutimento de perfis de praia mais baixos em perfis mais altos que originam as bermas (fig. 128).

A distribuição dos calhaus nos depósitos de praia: imbricação e estruturas sedimentares.

Já na figura 118 era possível comparar a forma de imbricação dos calhaus típica dos depósitos marinhos com o tipo de imbricação existente em formações fluviais. Na figura 129 é possível ver que, nas praias de calhau, o tipo de imbricação pode variar consoante a posição dentro da praia.

Pensamos ser interessante referir as estruturas sedimentares típicas de ambientes de praia (estratificação entrecruzada de tipo planar, fig. 130), bem como as marcas de corrente (assimétricas, fig. 131) e de ondulação (simétricas), bem como o papel que as estruturas sedimentares podem ter na identificação de depósitos fósseis.

Através da figura 132 é possível compreender a razão pela qual quando se inicia um processo de erosão numa praia, os grãos de minerais pesados têm tendência a ser deixados, enquanto que os grãos de quartzo são arrastados. Desse facto resulta um enriquecimento muito visível das praias em erosão nos ditos minerais pesados (fig. 133).

A deriva litoral: corrente em zig-zag

Como já vimos na aula 3, quando as ondas se aproximam obliquamente da linha de costa elas começam por sofrer um fenómeno de refracção. Mesmo assim, quando a onda rebenta, o jacto de rebentação tem um traçado oblíquo em relação à linha de costa. Já o refluxo vai fazer-se segundo a força da gravidade, isto e: perpendicularmente à linha de costa e segundo a linha de maior declive. Deste modo, também os sedimentos arrastados pelas ondas sofrem uma movimentação em zig-zag. De tudo isto resulta um processo de deriva ao longo do litoral (deriva litoral), cuja orientação pode variar no tempo, consoante a direcção dos ventos dominantes e da ondulação deles resultante. Este processo define, no essencial, o sentido do transporte das areias ao longo da linha de costa e vai ser fundamental na construção de formas litorais dependentes dessa deriva (flechas litorais ou restingas, fig. 120).

 

Dunas litorais

A movimentação das areias pelo vento, necessária à criação de dunas, depende de diversos factores:

·      disponibilidade em areias finas e secas,

·      ausência de vegetação,

·      ventos eficazes (só os ventos que têm uma velocidade superior a 16km/h conseguem mobilizar as areias).

Como estas condições são frequentes nas regiões litorais, os litorais são locais favoráveis à constituição de dunas.

Entre as praias e as dunas que se situam na sua retaguarda estabelece-se uma relação de complementaridade (fig. 135). Com efeito, durante o verão (fig. 127), a deflação pode exercer-se numa área relativamente extensa de areia seca. Durante o inverno, todavia, uma parte das areias já acumulada sob a forma de dunas pode ser arrastada para o mar indo constituir uma reserva de areias que poderá ser lançada, de novo, na costa, na situação de bom tempo.

A travagem do vento quando surgem as primeiras irregularidades no terreno (fig. 136) é a principal causa que vai levar a um depósito de areias. Este pode fazer-se a favor de tufos de vegetação halófita que vão colonizando a antepraia. Para isso é necessário que esta fique fora da acção das ondas durante algum tempo, o que implica, pelo menos, uma situação de equilíbrio na praia. Uma descida do nível do mar, ou processos de acumulação muito intensos, originando uma progradação do litoral e o abandono de antigos cordões litorais podem favorecer, como é evidente, a acumulação de campos dunares mais ou menos extensos

As dunas embrionárias originadas pela acumulação de areias nos tufos de vegetação da antepraia são designada por nebkas . A coalescência de diversas nebkas  origina uma duna frontal, grosseiramente paralela à linha de costa e com um perfil mais ou menos simétrico. A circulação do ar a sotavento da duna frontal cria turbilhões que acabam por originar a formação de depressões interdúnicas (fig. 137).

Em situações em a vegetação é escassa ou inexistente ou em que o fornecimento de areias é muito abundante, podem formar-se dunas livres, ou barkhans. Estas dunas, em forma de crescente com a convexidade face ao vento, apresentam um perfil dissimétrico em que a face exposta ao vento tem um declive entre 5° e 10° e a face a sotavento tem um declive elevado, da ordem dos 30-33° (Paskoff, 1985, fig. 138).

Desenvolvimento sequencial de dunas litorais

Muitas vezes, atrás da duna frontal existem outras cristas dunares, formadas em períodos anteriores.

A figura 139 mostra como pode fazer-se o desenvolvimento sequencial de um sistema de dunas. Num litoral em que haja uma certa progradação podem existir várias cristas dunares mais ou menos paralelas, correspondendo a sucessivas dunas frontais progressivamente mais antigas à medida que nos afastamos do mar.

À medida que uma crista de dunas perde a sua ligação à praia, ela deixa de receber areias e cria-se uma tendência à erosão. Esta pode ser materializada pelos “blow outs”, depressões de forma semi-circular existentes na face da duna (fig. 139). Estes blow outs têm tendência a acentuar-se e a migrar para o interior. Como se vê na crista dunar mais antiga (fig. 139), essa migração acaba por deixar na sua frente braços afilados que têm uma direcção aproximadamente paralela à dos ventos dominantes e que se podem designar como dunas longitudinais. Na sua retaguarda encontram-se dunas de forma parabólica. Estas dunas têm um desenvolvimento contrário ao das dunas do tipo barkhan. Com efeito, embora a forma seja também em crescente, no caso das dunas parabólicas a concavidade situa-se do lado onde sopra o vento, ao contrário do que se passava com as barkhans.

A análise desta figura parece-nos particularmente interessante porque nos parece haver muitas analogias entre o processo que ela descreve e a situação que se encontra na costa portuguesa, entre Espinho e Aveiro (fig. 140).

Dunas actuais e dunas fósseis

Muitas vezes coexistem, no mesmo espaço, diversos sistemas de dunas. Elas reconhecem-se quer através da orientação das suas cristas, que podem representar ventos dominantes contrastantes com os actuais, quer, sobretudo, através do tipo de pedogénese que sofreram.

Assim, na figura 140 foi possível identificar um conjunto de dunas antigas, que aparecem na parte mais a leste do mapa e que apresentam um horizonte ferro-húmico bastante consolidado. Este horizonte, designado geralmente por surraipa, aparece, também cortado em arriba, nas praias de Cortegaça e de Maceda, sob as areias de dunas mais recentes.

O corte de Cortegaça é particularmente interessante (fig. 141).

A sobreposição de diversos conjuntos dunares ocorre noutros locais (fig. 142). Embora as propostas existentes para as idades das dunas das Landes e das dunas da região de Cortegaça sejam diversas, o conjunto tem analogias notórias, nomeadamente pelo facto de existir um sistema de dunas antigas com uma crosta aliótica em ambos os casos. Essas analogias não passaram despercebidas a R. Paskoff que escreveu um artigo justamente sobre as semelhanças entre as dunas das Landes e as dunas da região da Gândara (que, por sua vez, têm analogias evidentes (Araújo, 1991) com as dunas de Cortegaça.

Se as dunas consolidadas do Norte do país se apresentam geralmente com um fácies semelhante ao descrito para as dunas de Cortegaça, na região de Lisboa (Magoito, Oitavos), a sua consolidação fica a dever-se ao carbonato de cálcio. O mesmo acontece na região de Porto Côvo e Vila Nova de Milfontes, onde o grés calcário que constitui a duna consolidada sofreu um processo de carsificação, mantendo, no conjunto a forma típica de uma duna (fig. 143).

Aula Prática:

Apesar do carácter relativamente elementar que a disciplina tem que ter, para se adaptar ao tempo disponível, parece-nos que é fundamental fazer o tratamento granulométrico e morfoscópico de areias de praias e de duas amostras de areias de dunas (dunas actuais e dunas fósseis da região de Cortegaça). Como se trata de análises algo demoradas, cuja técnica os alunos deverão dominar para poderem incluí-las nos seus trabalhos, poderemos utilizar mais 6 horas, (ao todo 8 horas) correspondentes às aula práticas dos próximos temas, para levar esse trabalho a efeito.

Além dos procedimentos básicos da granulometria, os alunos deverão aprender:

  • A identificar o grau de rolamento dos grãos de acordo com os índices e os critérios propostos por G. S. Carvalho (1966, fig. 144),
  • A distinguir entre a forma e o aspecto de superfície dos grãos de areia (fig. 145),
  • A identificar os principais tipos de aspectos de superfície dos grãos ( E squiroloso, P icotado, P icotado- B rilhante, B rilhante e F osco, isto é: E, P, PB, B, F, ver fig. 146),
  • Como introduzir os dados da granulometria e da morfoscopia em folhas de cálculo já preparadas para o efeito,
  • Como construir curvas cumulativas e espectros morfoscópico das amostras tratadas.
  • Como construir gráficos comparativos dos diferentes tipos de amostras (a título de exemplo, ver fig. 146).

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